sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Crônica do "nunca mais"

Dentre todas as terríveis faces da morte, nenhuma delas é pior do que a dimensão do “nunca mais”. Esta sim nos fere, nos dizima por dentro, nos estraçalha, no momento em que nosso coração não é mais do que o mais fino dos cristais, em queda livre, rumo a seu inevitável destino que o desintegra. Inevitável... como a própria morte. Tal constatação, obtida livremente do poder de metaforizar as coisas do mundo, em nada nos alivia do sofrimento pela perda de alguém que por nós tenha sido amado. Ao contrário, confere-nos a dura sensação da impotência diante de fato tão penoso. E curioso é saber como a mais triste faceta da vida é também a única que se tem por inerente ao viver. Ora, tudo que nasce já nasce a caminho de seu fim, que pode ser tanto o epílogo de longa jornada, quanto o prematuro fenecer que nem espera os primeiros passos. As possibilidades, estas sim são infinitas, tal qual nos parece ser o sofrimento impingido pelos primeiros instantes do luto. Mas eis que o tempo, este brincalhão, com todas as suas artimanhas, arranjos e sortilégios, mostra não nos faltar em tão terríveis ocasiões. Não é remédio milagroso. Não é droga que fagocita, se não a nossa dor, pelo menos os seus sintomas imediatos. Não é nada disso. É, antes de tudo, aquele que, após a queda e seus cacos, inicia um processo de rearranjo das idéias. De retomada da razão, que em absoluto nos tira a carga emocional, mas vem nos restabelecer a verdade de nossa existência, que nos revela: estamos vivos, mesmo que eventualmente tal realidade se apresente como desesperançada e desesperadora. E o tempo é tão sábio na condução de tal processo, que o faz organicamente inspirado pela cura dos ferimentos reais: estanca o sangramento, fecha o corte, regenera os tecidos e mantém a memória de tudo isso, na forma das cicatrizes. São elas, de fato, os troféus de nossas vitórias, sem deixar que nos esqueçamos de duas coisas: primeiro, de que perdemos; segundo, de que nos refizemos de nossa perda, sem ter perdido também a memória da coisa perdida, que permanece gravada em nossa pele para sempre. Portanto, amemos sempre. Amemos sem medo. As dores são inerentes ao processo. Dores que, em seu devido tempo, cicatrizam-se e transformam-se na experiência, na sabedoria, no fortalecimento emocional e, sobretudo, no tributo a quem hoje nos falta. (Foto: Baixaki)

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