segunda-feira, 22 de junho de 2009

Lições de um senador cassado

Em tempos de tão aguda crise no Senado, não seria nada mal se os estudantes do nosso país aprendessem ainda na escola disciplinas como Ética Social e Política.

Esse é justamente o núcleo do Projeto de Lei do Senado nº 103/2009, que pretende implantar tais disciplinas como obrigatórias em todas as séries do ensino médio. O projeto sugere que se altere artigo da lei nº 9.394/96, que já havia incluído como compulsórias ao mesmo ensino médio os conteúdos de Filosofia e Sociologia.

Como bem se conhece o virtuosismo do nosso Senado em lançar fatos dos mais excêntricos e prosaicos, não poderia ser diferente no que diz respeito a uma certa peculiaridade do referido projeto, não em seu teor, mas naquele que teve a ideia.

Pois eis que o autor da matéria, o nobre senador Expedito Júnior (PR-RO), acaba de ter a cassação do seu mandato confirmada pelo TSE. Confirmada, porque já havia sido assim determinada pelo TRE de Rondônia em 2008. A acusação? Compra de votos e abuso de poder econômico nas eleições de 2006. Alguém aí falou em Ética Social e Política?

Até o fechamento desse texto, o nobre senador ainda não havia resolvido com os seus advogados se recorreria de mais essa condenação ao STF. É provável e natural que recorra e que permaneça legislando (o que quer que isso venha a significar hoje em dia).

Recorrendo ou não, reavendo ou não o mandato, fica a sugestão que se rediga um projeto de lei a determinar, como obrigatório a qualquer postulante a cargo político, curso extensivo e avançado em Ética Social e Política. Tenho certeza de que Expedito Júnior, um homem intimamente ligado à educação, que concluiu o magistério em 1979 e já lecionou matemática, não se importaria em voltar à vida de estudante.

Para alguns de seus pares, poderia até ser uma valiosa forma de reciclagem. Para outros tantos, porém, seria o ato de enveredar-se por um surpreendente mundo nunca antes explorado: o da moralidade pública e administrativa.

sábado, 13 de junho de 2009

Segredos e segredos

Houve um tempo na história do Brasil em que inconfidências tidas como conspiratórias, quando reveladas, levavam à forca. Em fins do século XVIII, segredos contra a ordem vigente deram a Tiradentes a condenação por crime de lesa-majestade. Daí seguiram-se a forca, o esquartejamento, a desmoralização e, posteriormente, a notoriedade (positiva, nesse caso).

Hoje, na primavera do século XXI, não apenas as relações políticas se modernizaram, mas também as sentenças judiciais a eventuais transgressores da ordem vigente. É tempo de democracia, das liberdades individuais e dos direitos humanos. Nessa evolução, muitos paradigmas felizmente foram quebrados. Já não há mais execuções e esquartejamentos em praça pública.

No Brasil, império e monarquia ruíram e a república foi implantada. Atualmente, nosso alicerce legal é a Constituição Federal de 1988, que diz no parágrafo único do seu art. 1º: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Como efetivos detentores do poder, o qual delegamos a nossos representantes, seria natural que enquadrássemos os atos secretos do Senado como inconfidências conspiratórias contra a ordem vigente. Não um crime de lesa-majestade, mas de lesa-pátria, por implicar, em sua essência, a dilapidação do erário, em benefício de uns poucos confidentes.

Nesses novos tempos, felizmente, tais abusos são poupados da forca e do esquartejamento. No entanto, infelizmente também passam incólumes pela etapa da desmoralização. Vão direto à fase da notoriedade (negativa, nesse caso) e morrem na impunidade do esquecimento.

Como abdicamos da bestialidade da pena capital em praça pública, resta que recorramos às instâncias legais e, principalmente, que mantenhamos incansável vigília sobre a atuação desses senhores.

Por fim, e por motivações diversas da original (políticas, em vez de econômicas), proponho que resgatemos do longínquo ano de 1986 a figura do "Fiscal do Sarney".

Machado de Assis e a política da algazarra

Paralelamente às intrincadas discussões relativas à esfera ambiental (que lhe deram vazão), a frase de Lula dando conta de que, “toda vez que o pai sai de casa, a meninada faz mais algazarra do que deveria”, deve e precisa ser transportada para a macroesfera da política nacional.
Sem medo de ser acusado por eventual descontextualização, diria que a brincadeirinha do nosso presidente, mais do que outra de suas “lúdicas metáforas”, é emblemática e sintomática. Emblemática, pela pertinência da simbologia adotada por Lula. Sintomática, por caracterizar a maneira como grande parte de nossos políticos se posiciona no trato da coisa pública: o mero e indiscriminado exercício de apropriação dos bônus e a total desconsideração dos ônus.
Pululam por toda a imprensa incontáveis casos de políticos que, plagiando o obscuro Sérgio Moraes, estão pouco se lixando não só para a opinião pública, mas também se seus mandatos são ou deixam de ser uma procuração de amplos poderes repassada pelos eleitores, independentemente do grau de conscientização dos mesmos, para que zelem pela coletividade, por mais utópico que isso possa parecer.
“A algazarra da meninada” começa com a falta de seriedade de tantos e tantas, para quem ser político é empanturrar-se desregradamente com as farras, diversões e banquetes – literais e simbólicos – do dinheiro público. E segue, desgraçadamente, por esse modelo, até que algum pobre diabo seja pego com “as calças na mão” e fique de castigo, para servir de exemplo aos irmãos. Então, a prole finge ali um arrependimento momentâneo pro forma, dá a entender que aquilo jamais se repetirá, e, assim que o pai ou a mãe vira as costas, voltam a aprontar das suas, não raro travessuras ainda mais escabrosas do que as que foram flagradas.

Ocorre que, num país cujas instituições públicas revelam-se costumeiramente inócuas, de conselhos de ética e corregedorias excessivamente tolerantes com a reiteração de escândalos, não é de se admirar que “a meninada” continue aprontando.

Enquanto a consciência política não se torna uma obsessão de eleitores e eleitos, é sorte dos primeiros que a imprensa, apesar de também ter seus vícios e vicissitudes, esteja exercendo considerável vigilância dessa turma tão travessa. No entanto, se deixarmos tal diligência apenas a cargo dos jornais, o muito que fazem pode revelar-se pouco. Afinal, os verdadeiros pais e mães capazes de eliminar as famigeradas e reiteradas algazarras são o eleitor, com a força de seu voto.

Por fim, para exemplificar como já perdemos todo o tempo que podíamos perder (se é que podíamos), um fragmento de Helena, que Machado de Assis publicou, originalmente, em 1876 (e já lá se vão 133 anos!). No trecho, o memorável diálogo em que o Dr. Camargo tenta convencer o jovem Estácio a ingressar na vida pública. Nota-se como, naquela época, pelas palavras do insupeável Machado, ser político já era mais uma conveniência e menos um ofício. Assim, Dr. Camargo argumenta:

“— Vejamos as coisas com os óculos do senso comum. Em primeiro lugar, não creio que tenha outros projetos na cabeça...
— Talvez.
— Duvido que sejam mais vantajosos do que este. A ciência é árdua e seus resultados fazem menos ruído. Não tem vocação comercial nem industrial. Medita alguma ponte pênsil entre a Corte e Niterói, uma estrada até Mato Grosso ou uma linha de navegação para a China? É duvidoso. Seu futuro tem por ora dois limites únicos, alguns estudos de ciência e os aluguéis das casas que possui. Ora, a eleição nem lhe tira os aluguéis nem obsta a que continue os estudos; a eleição completa-o, dando-lhe a vida pública, que lhe falta. A única objeção seria a falta de opinião política; mas esta objeção não o pode ser. Há de ter, sem dúvida, meditado alguma vez nas necessidades públicas, e...
— Suponha, — é mera hipótese, — que tenho alguns compromissos com a oposição.
— Nesse caso, dir-lhe-ei que ainda assim deve entrar na câmara — embora pela porta dos fundos. Se tem idéias especiais e partidárias, a primeira necessidade é obter o meio de as expor e defender. O partido que lhe der a mão, — se não for o seu, — ficará consolado com a idéia de ter ajudado um adversário talentoso e honesto. Mas a verdade é que não escolheu ainda entre os dois partidos; não tem opiniões feitas. Que importa? Grande número de jovens políticos seguem, não uma opinião examinada, ponderada e escolhida, mas a do círculo de suas afeições, a que os pais ou amigos imediatos honraram e defenderam, a que as circunstâncias lhe impõem. Daí vêm algumas legítimas conversões posteriores. Tarde ou cedo o temperamento domina as circunstâncias da origem, e do botão luzia ou saquarema nasce um magnífico lírio saquarema ou luzia. Demais, a política é ciência prática; e eu desconfio de teorias que só são teorias. Entre primeiro na câmara; a experiência e o estudo dos homens e das coisas lhe designarão a que lado se deve inclinar”.

domingo, 7 de junho de 2009

4 anos?

Essência ou aparência? De fato ou de direito?

Diz o art. 82 da Constituição Federal de 1988 que o mandato presidencial é de quatro anos. A mesma duração o art. 28 prevê para os governadores. Isso é a essência da norma, ou como ela é de direito. Pois em sua aparência, ou de fato, os mandatos podem ser mais curtos, sendo impossível precisar a sua duração.

Estamos em junho. Se não houver qualquer imprevisto, restam a Lula quase 600 dias à frente da presidência. Seus principais opositores no momento, Serra e Aécio, dispõem de prazo similar, ressalvando o período de desincompatibilização, em São Paulo e Minas. Sendo bem empregado, é um período de tempo bastante razoável, em que pese o tamanho dos problemas do país e de seus estados.

No entanto, com um ano e meio de governo pela frente, a grande agenda política atualmente é a sucessão presidencial (isso quando o Legislativo Federal dá uma trégua nos escândalos, diga-se de passagem).

Por mais bem intencionados que possam ser, Lula, Serra e Aécio cedem terreno de seus governos e convergem atenções para o quadro sucessório do ano que vem. Lula turbina as aparições e atividades de Dilma, quase criando a figura de "copresidente". Serra e Aécio, por sua vez, vêem-se obrigados a dividir atenções entre os palácios dos Bandeirantes e da Liberdade, e o desejo pelo Planalto.

Como se vê, duração de mandatos é mais um exemplo de norma que não pega.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O Senado e seu infalível paralelismo

O que aconteceria se cada trabalhador brasileiro resolvesse faltar ao expediente cada vez que surgisse um ponto de discordância com aspectos relativos ao seu ofício?
Entre as opções mais brandas, poderíamos levantar o ponto cortado ou, conforme o caso, advertência verbal ou escrita.
Agora, uma nova pergunta: o que faltou para a efetiva implantação da CPI da Petrobras na data prevista? Três opções: falta de quórum, falta de consenso, falta de vergonha na cara ou falta de compromisso com a coisa pública?
Na dúvida, existe a última e conclusiva opção: todas as anteriores.
Afinal, os conceitos de produtividade e trabalho são apenas mais dois que o Senado Federal redefine, em sua patológica insistência por continuar sendo um universo paralelo à lógica e aos valores dos pobres mortais.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Depois das marolinhas financeiras, as tormentas políticas de 2010

Em tempos de franco debate sobre prorrogações de mandatos no atacado e re-reeleições, é natural que nos peguemos sobressaltados.
Depois das calmarias que trouxeram Cabral e das marolinhas que resultaram na ressaca da crise financeira, vêm as tormentas, que conduzem e conduzirão o Brasil por incertos mares, até que novamente ancoremos em 2010, seja em porto seguro ou não.
Sem terra à vista, pelo menos por enquanto, é conveniente que retornemos aos ensinamentos da filosofia aplicada à política. Norberto Bobbio, em seu "As ideologias e o poder em crise", promove mais do que seu reencontro com a imprensa e com "o hábito da crônica regular". O grande pensador discorre sobre o pluralismo, tema que deveria estar em voga dentro do debate da sucessão, posto que tais articulações, fatal e inevitavelmente, iniciaram-se, mais uma vez, antes da hora.
Diz Bobbio: "O termo é novo, mas o conceito não. Que uma sociedade é tanto melhor governada quanto mais repartido for o poder e mais numerosos forem os centros de poder que controlam os órgãos do poder central é uma idéia que se encontra em toda a história do pensamento político".
Bobbio continua, em tom de alerta: "A alta concentração de poder, que não tolera a formação de poderes secundários e interpostos entre o poder central e o indivíduo, e que anula toda a oposição ao arbítrio do governante, caracteriza essencialmente todo governo despótico".
É mais ou menos esse o protocolo aplicado em alguns de nossos vizinhos latinos. Resta saber se Lula vai, de fato, resistir a toda a sorte de tentações e manter o seu posicionamento contra o terceiro mandato até o atracamento de 2010. Por hora, seguimos ao sabor de imprevisíveis ventos e marés, rumo aos desconhecidos mares sucessórios, cada vez mais revoltos.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Direito à moradia (no mundo real e no mundo parlamentar)

A Constituição Federal de 1988, em seu Título II, lista o que chama de Direitos e Garantias Fundamentais. Mais precisamente no Capítulo II, sobre os chamados Direitos Sociais, determina que um deles é o direito à moradia.
Vejamos então como as pessoas normais no Brasil exercem esse tal sagrado direito à moradia. Basicamente, são três formas: imóvel próprio (arduamente) quitado, imóvel próprio (duramente) financiado ou imóvel (asperamente) alugado.
Relembrando, isso é o que podemos observar na vida real. Pois o Senado Federal, aquela Casa Legislativa que deveria se valer da "criatividade" de seus homens e mulheres para, efetivamente, legislar, segue negligenciando sua atividade-fim, enquanto mantém seu modo todo peculiar de lidar com determinados temas.
Se o senador em pleno exercício do mandato (conceito dos mais fluidos atualmente) não tem casa própria em Brasília, existem as seguintes opções: apartamento funcional de luxo ou auxílio-moradia de R$ 3,8 mil mensais.
Essa é a teoria. Na prática, a coisa funciona da mesma forma nebulosa que funcionaram até hoje, por exemplo, as passagens aéreas. Pois tem senador com casa própria na capital federal ou com direito a residência oficial, auferindo indevidamente a verba. Caso do presidente do Senado, José Sarney.
Ficam algumas hipóteses: primeiro, se uma fatia de R$ 3,8 mil passa despercebida todo mês, que baita bolo! Segundo, ser congressista é como ganhar na loteria, só que em prestações. E no mundo real, mesmo quem ganha um bom prêmio deve pagar por sua residência, suas passagens aéreas, seus celulares, suas multas de trânsito... ao contrário do que ocorre no fantástico e inverossímil mundo parlamentar federal.
Por fim, volta aquela incômoda sensação de sermos duplamente passados para trás. Primeiro, com a "simples" existência de todas essas regalias, quando tantos rebolam com seus R$ 465 mensais, fora os descontos. Segundo, ao vermos a falsa surpresa com que esses senhores e senhoras vêm à mídia para fingir que de nada sabiam.
Como tem gente "desinformada" perambulando pelos corredores do Congresso Nacional! Se comungarmos dessa conveniente distração parlamentar, daremos o primeiro passo rumo à perpetuação dessa horda de desavisados.